A “PEC KAMIKASE”
Não se discute de que vivemos uma situação de emergência em nosso país, agravada pela omissão e ineficiência do governo federal em priorizar a adoção de políticas públicas de combate à fome, à miséria, ao desemprego. Só agora, às vésperas das eleições, pressionados pela impopularidade que sinaliza uma iminente derrota na pretensão da reeleição do presidente da república, decidem atender as demandas sociais que vêm sendo desconsideradas desde o início da gestão.
Interesses eleitoreiros conduzem o governo e parlamento a emendarem a Constituição, sem avaliarem as consequências futuras, desde que repercutam em favor do candidato que quer permanecer no Palácio da Alvorada. Dois objetivos são bastante evidentes: tentar recuperar o apoio popular e desestabilizar o governo que assumirá os destinos do país a partir de janeiro do próximo ano. Já que o insucesso na eleição de outubro está se tornando irreversível, que se estabeleçam formas de dificultar as ações em favor da nação pelo sucessor.
A chamada “PEC Kamikase” é um vale-tudo eleitoral. Tanto isso é verdade que resolveram decretar um estado de emergência nacional para blindar o presidente de punições da Lei Eleitoral. É indiscutível que a fome se reveste de uma condição de emergência na busca de soluções para enfrentá-la. Mas porque isso não foi considerado há mais tempo? Estamos em estado de emergência nacional há muito tempo, e isso não era reconhecido. É o chamado “pacote do desespero”, que vai custar aos cofres públicos mais de quarenta bilhões de reais. Fora, portanto, do teto de gastos permitido e com validade até 31 de dezembro deste ano. O que equivale dizer que o futuro governo não poderá permanecer aplicando esses benefícios sociais ora aprovados.
Os efeitos negativos desse “pacote de bondades” repercutirão mais na frente, quando passadas as eleições. A perda de credibilidade fiscal vai estimular a inflação, elevando os juros e reduzindo a capacidade de investimentos que se fazem necessários para a geração de emprego e renda. São medidas paliativas que, efetivamente, se tornam uma “bomba fiscal”. Porém, avaliadas pelo governo como uma “tábua de salvação” no processo eleitoral em curso.
Sob o argumento de que estão atendendo às necessidades da população mais carente, negligenciadas durante todo o governo, rasga-se a Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a legislação eleitoral. Se for derrubada no STF vão reforçar o discurso de que o Supremo o impede de governar. Se não conseguirem fazer valer o “pacote de bondades”, recorrerão ao velho discurso de que o STF está contra o povo.
Não há qualquer dúvida de que o principal objetivo da PEC é promover o desequilíbrio eleitoral, no momento francamente desfavorável às pretensões da reeleição. Essas necessidades atendidas agora pela PEC continuarão a existir após 31 de dezembro. A crise econômica e social que estamos vivendo no Brasil é sentida pelos mais pobres há alguns anos.
Rui Leitão