A traição é um tema sempre atual, transcendendo as relações interpessoais e ecoando desde os primórdios da humanidade. Dentre os exemplos mais notórios, a traição de Judas Iscariotes a Jesus Cristo destaca-se como talvez o arquétipo mais poderoso da cultura ocidental, ressoando através dos séculos por sua complexidade e profundas consequências.
As motivações do apóstolo que culminaram na crucificação de Nosso Senhor Jesus Cristo não são um consenso, seja qual for a vertente teológica. Elas desencadeiam uma série de perguntas cujas respostas desafiam e, por vezes, fazem desmoronar teses preestabelecidas, gerando discussões acaloradas e reflexões profundas sobre fé, destino e livre-arbítrio.
Como estudante de teologia em fase final e com longos anos de estudo além do ambiente acadêmico, dedicarei meu conhecimento para tentar elucidar o que é praticamente impossível de se fazer com total certeza. Apresentarei as teses que mais circundam este assunto complexo.
A seguir, exploraremos as principais teorias que buscam explicar o ato de Judas, cada uma com suas bases e implicações.
Muitos religiosos e estudiosos afirmam que a ganância impulsionou Judas a entregar Cristo. Encontramos apoio para essa tese nas Escrituras, como em Mateus 26:14-16: “O que me dareis se eu vo-lo entregar?”. A resposta foram “30 moedas de prata”. O Evangelho de João também corrobora essa visão, descrevendo Judas como o tesoureiro do grupo, que “era ladrão e, tendo a bolsa, tirava o que nela se lançava” (João 12:6).
Nesta perspectiva, a ganância e a cobiça caminham lado a lado. Contudo, é importante considerar que talvez essa não tenha sido a única ou a total motivação. Judas, sendo o responsável pelo controle financeiro das despesas do grupo, possuía uma posição de confiança e acesso ao dinheiro, o que torna a tentação plausível, mas não necessariamente exaustiva em suas razões.
Outra tese bastante robusta reside na complexa questão política da Judeia da época. Sob o controle férreo do Império Romano, muitos judeus, especialmente os Zelotes (um grupo nacionalista e radical), esperavam um Messias que fosse um líder militar e político, nos moldes de Davi, capaz de expulsar os romanos e libertar Israel. Jesus, entretanto, estava muito distante de ser o líder que eles ansiavam. Há quem defenda que Judas era adepto dessa visão, esperando um Messias que agisse com força para libertar a Judeia.
Jesus, contudo, pregava a mensagem de “dar a outra face” e até “amar os inimigos”, conceitos que iam completamente na contramão das expectativas Zelotas. Acredita-se, portanto, que Judas Iscariotes o entregou em uma tentativa desesperada de forçá-lo a uma reação perante um quadro de pena máxima – a crucificação. Judas talvez esperasse uma legião de anjos descendo dos céus para destruir o Império Romano, ou que Jesus realizasse um milagre espetacular para se libertar, visto que ele havia presenciado tantos outros. Ele pode nunca ter imaginado que o Filho de Deus encarnado se deixaria levar, açoitar e crucificar.
Esta tese sugere que tudo seria parte de um plano de predestinação e cumprimento de profecias bíblicas. Esta perspectiva é apoiada por passagens como o Salmo 41:9 – “Até o meu amigo íntimo, em quem eu confiava, que comia do meu pão, levantou contra mim o seu calcanhar” – e Marcos 14:21: “Pois o Filho do Homem vai, como está escrito a seu respeito; mas ai daquele por quem o Filho do Homem está sendo traído! Melhor seria para ele se nunca tivesse nascido!”.
Nesta tese, Judas seria meramente um peão nas mãos do Criador, cujo ato foi crucial para que a crucificação e a ressurreição de Jesus Cristo pudessem acontecer. Logicamente, isso não o absolve da responsabilidade moral de suas ações, mas o torna secundário em um desígnio maior, já predestinado.
Além das teses sobre as motivações diretas de Judas, a traição possui uma profunda dimensão simbólica e antropológica. O ato de entregar um mestre ou amigo íntimo por um preço, ou mesmo por uma convicção distorcida, ressoa como uma quebra do contrato social e da lealdade mais básica. O beijo, gesto universal de afeto e reconhecimento, transformado em sinal de delação, subverte os pilares da confiança humana, tornando-se um símbolo da mais abjeta perfídia. Essa inversão de significado é o que confere à traição de Judas seu poder duradouro no imaginário coletivo.
A história de Judas, portanto, vai muito além de um evento isolado; ela nos convida a refletir sobre a fragilidade da natureza humana, as complexas teias de motivações que nos impulsionam e as consequências devastadoras da deslealdade. A figura do “traidor” serve como um espelho para as sombras que habitam em cada um de nós, lembrando-nos constantemente da linha tênue entre a fé, a desilusão e a escuridão.
Estão, portanto, elencadas e explicadas as principais teses do ato mais covarde do mundo ocidental, que continua a gerar diversas discussões. Discussões essas que, invariavelmente, recaem naquela velha pergunta que tenho certeza que quase todos os leitores desta coluna já fizeram ou tiveram vontade de fazer ao seu Pastor ou Padre:
“Judas foi para o céu ou para o inferno?”
Eu mesmo, que ainda não sou pastor e não serei padre por já possuir família e ser evangélico, já fui indagado sobre isso pelo menos umas cinquenta vezes. A resposta é direta e não pode haver melindres: Judas Iscariotes está no inferno. Deixarei este tema para uma próxima coluna, pois nada que é relacionado à teologia é simples de explicar; tudo tem uma série de motivos com uma mistura antropológica e espiritual.
Termino sempre com uma frase, e hoje escolhi uma do filósofo Friedrich Nietzsche:
“Não é que você mentiu para mim que me incomoda, mas que, a partir de agora, não poderei mais acreditar em você.”
Júnior Belchior