Presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro João Otávio de Noronha disse que não tem nada a temer com a aprovação do projeto de lei que atualiza a Lei de Abuso de Autoridade. Além disso, defendeu a imposição de limites para os juízes.
Aprovado pela Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (14/8), o projeto agora segue para sanção presidencial. Em nota, o ministro da Justiça, Sergio Moro, escreveu: “O projeto de lei de abuso de autoridade será examinado pelo governo. Ninguém é a favor de abusos, mas o projeto precisa ser bem analisado para verificar se não pode prejudicar a atuação regular de juízes, procuradores e policiais. O exame ainda será feito com o cuidado e o respeito necessários ao Congresso”.
Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, Moro disse a deputados durante um jantar reservado nesta quarta que a redação do projeto estava ruim em alguns trechos, como o que considera abuso a utilização de algemas, quando não houver resistência à prisão.
Em 2016, quando ainda era juiz, Sergio Moro criticou o projeto afirmando que a lei não pode ter o efeito prático de cercear o trabalho da polícia, do Judiciário e do Ministério Público. “Não importa a intenção do legislador. Diz um ditado que a lei tem suas próprias pernas. Ainda que tenha boas intenções, como será interpretada e aplicada é uma questão em aberto.”
Entre os pontos alterados pelo projeto está o que considera abuso de autoridade decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem intimação prévia de comparecimento ao juízo, prática que era recorrente na operação “lava jato”, conduzida por Moro quando era juiz federal em Curitiba.
Categorias divididas
Enquanto aguarda a análise do governo, o projeto segue dividindo opiniões. Alvos do projeto, juízes, delegados e promotores se posicionaram contra a sanção presidencial sob o argumento que o projeto traz riscos a atuação. De outro lado, advogados comemoraram a aprovação.
Na avaliação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) o projeto aprovado coloca em cheque a independência do Judiciário. “A necessária punição a quem atue com abuso de autoridade não pode servir, sob qualquer pretexto, a intimidar ou de qualquer forma subtrair a independência do Poder Judiciário e seus juízes, que tanto realizam no combate à corrupção, na garantia dos direitos fundamentais e na consolidação da democracia”, diz a entidade, que cobra mais discussão sobre o tema.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) promete lutar para que o presidente Bolsonaro vete o projeto. Entre as iniciativas está pedir o apoio do ministro Sergio Moro e promover uma campanha contra o projeto.
À Agência Brasil, o presidente da Ajufe, Fernando Medeiros, afirmou que possíveis erros em decisões judiciais são passíveis de correção por meio de recursos a instâncias superiores, “mas a decisão do juiz não pode ser objeto de criminalização, porque isso fere a independência do Judiciário”.
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) avalia que o texto aprovado vai causar prejuízos ao combate à criminalidade organizada e ao desvio de recursos públicos no país. Segundo a nota, ao não detalhar condutas de forma clara e determinada, o texto deixa sob o risco da subjetividade e da falta de critério definido atuações legítimas, que podem ser taxadas como abuso de autoridade.
A Associação Nacional de Desembargadores (Andes) disse acreditar no veto do projeto, “em vista de sua absoluta inconstitucionalidade, em razão do ferimento à independência dos Juízes, inafastabilidade da jurisdição e livre exercício do Poder judiciário”.
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) endossa os argumentos e critica também a aprovação do projeto em regime de urgência. “A agilidade imposta para priorizar o projeto implica em uma inversão de pauta que contraria os anseios da sociedade. Ao invés de votar os projetos de lei que reforçam o combate à corrupção, às organizações criminosas e à impunidade, os parlamentares optaram por votar um texto que pode, eventualmente, inibir a atuação dos agentes encarregados de combater a corrupção.”
Apesar das críticas, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, lembrou em audiência pública sobre o projeto feita em 2016 que a proposta de alterar a lei de abuso de autoridade é de 2009. Naquela ocasião, o ministro observou que as operações contra corrupção continuarão, com ou sem atualização da lei, já que os instrumentos em vigor para que elas aconteçam são suficientes.
O projeto aprovado foi apresentado em 2017, estava parado mas voltou à tona depois que o site The Intercept Brasil divulgou uma série de conversas entre o procurador Deltan Dallagnol e o ministro da Justiça, Sergio Moro. Nas mensagens, Moro aparece orientando o trabalho dos procuradores na “lava jato” enquanto ainda era o juiz do caso.
Para a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), o projeto é caracterizado por definições vagas e subjetivas, o que resulta em insegurança jurídica. “Esperamos que, neste momento, as autoridades possam refletir e ajustar os pontos desse projeto, garantindo que as leis não sirvam para inviabilizar o combate ao crime, mas sim para torná-lo ainda mais eficiente.”
Aprovação comemorada
Enquanto sofre críticas dos alvos do projeto, a proposta foi elogiada por advogados. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil parabenizou a aprovação pelo Congresso: “a nova lei representa um grande avanço para a atualização do ordenamento jurídico brasileiro”.
O criminalista Yuri Sahione entende que as mudanças serão um avanço, e discorda de possível mordaça a juízes. “No projeto aprovado não há nenhum tipo de janela para que condutas regulares, pautadas na legalidade e com interpretação razoável da lei possam ser tipificadas como abuso. O que se verificou claramente, não só na operação ‘lava jato’, mas em casos antecedentes é a existência corrente de excessos contra acusados, empresas e empresários”.
Na visão do criminalista Thiago Turbay, o projeto parece dar um freio no aclamado populismo penal. “É um retorno à civilidade e ao controle estatal. O estado não pode fazer uso indiscriminado do poder punitivo, em mais razão, o Estado Democrático de Direito deve ser justificado, vale dizer, que suas razões devem seguir preceitos normativos e racionais condizentes com o âmbito de proteção às garantias e liberdades individuais”, afirmou.
Segundo ele, não se pode permitir uma colonização por meio da persecução penal, nem se valer de poderes persecutórios ou policiais que ameaçam a cidadania.
Advogado e professor da PUC-SP, Fernando Castelo Branco pondera que é preciso serenidade para interpretar adequadamente um abuso de autoridade. Para ele, é necessário equilíbrio para não engessar a atuação das autoridades e ao mesmo tempo garantir a tipificação do abuso de autoridade quando necessário.
“Não se pode interpretar qualquer ação como abuso de autoridade. A nossa ciência não é exata, mas é lógica. Há linhas distintas entre os magistrados, alguns mais liberais, outros mais rígidos. O abuso de autoridade não está na linha que a autoridade segue e o rigor da lei não pode ser um empecilho na ação judicante, investigativa etc”, afirma.
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