Na coluna de hoje, mergulharemos no livro de Jó, uma obra poética da Bíblia que, embora de autoria desconhecida, é sem dúvida uma das mais intrigantes de todas as Escrituras. Cronologicamente, é considerado o primeiro livro poético bíblico.
A longevidade de Jó, que viveu cerca de 140 anos após os eventos narrados, já é algo extraordinário. No entanto, sua vida não é notável apenas pela duração numérica, mas também por sua profunda fé, temor a Deus e inabalável submissão, características que permeiam toda a sua jornada.
Jó era um homem extremamente rico para a época. Seus numerosos rebanhos estavam em constante multiplicação, o que levou Satanás a questionar a Deus a respeito da fidelidade de Jó. Satanás argumentou que a devoção de Jó era motivada por suas vastas riquezas – não apenas materiais, mas também familiares e espirituais. Afinal, Jó (nome que significa “o perseguido”) atuava como sacerdote de sua família, realizando sacrifícios, assim como Abraão.
O livro de Jó é um tesouro de ensinamentos, abordando temas como fé, persistência, submissão, coragem e muitas outras virtudes que circundam essa história marcante.
No entanto, existe um tema pouco explorado e, consequentemente, pouco explicado neste magnífico livro. Todos sabemos que Deus permitiu que o “inimigo” fizesse tudo com Jó, menos tirar-lhe a vida.
E assim foi: o “encardido” tirou tudo de Jó. Ele ficou na pobreza, cego, faminto, com sede, sem casa, sem rebanho e, inclusive, sem compreender os detalhes do porquê de todo aquele sofrimento.
Jó padecia intensamente sem saber o motivo, o que por si só já é excessivamente duro. A esse quadro, junte a perda de seus filhos, suas riquezas e a humilhação perante uma sociedade patriarcal.
A reflexão à qual gostaria de vos atentar é: por que Deus não permitiu que o diabo tocasse na mulher de Jó? Por que Deus deixou fazer tudo, mas não deixou tocar em sua esposa?
Muitas pregações fogem desse assunto e, quando raramente ele é abordado, a resposta, na minha visão, é quase sempre equivocada.
Alguns pastores e padres afirmam que a mulher de Jó representava um apoio emocional e espiritual para ele durante seu sofrimento, outros dizem que foi para preservar a família, e assim por diante. Há ainda aqueles que nem sequer tocam no assunto, pois é preciso refletir profundamente na Palavra e orar para ter discernimento e realmente demonstrar o motivo principal da não permissão de Deus para tocar na companheira do perseguido.
Lendo e relendo, cheguei a uma certeza sobre o verdadeiro motivo. Satanás não poderia tocar (aqui me refiro a matar) na mulher de Jó, pois se o fizesse, estaria tocando no próprio Jó, e isso Deus não permitiu. Mas por qual razão isso aconteceria, se são pessoas distintas? A resposta é mais óbvia do que pensamos: quando Jó se casou com sua esposa, ali se transformaram em UMA SÓ CARNE E UM SÓ CORPO. Por isso, Satanás não matou a mulher de Jó, porque simplesmente não o podia fazer! Não tem nada a ver com amparo emocional ou manutenção da família, pois isso poderia ter sido feito a posteriori com outra mulher, visto que no falecimento da mulher o homem poderia desposar outra.
A questão aqui é muito mais profunda: não se podia tirar a vida de Jó e, portanto, a de sua mulher também, pois eram um só corpo.
Essa interpretação, fundamentada na compreensão da união conjugal como “uma só carne”, eleva o drama de Jó a um patamar ainda mais profundo. Revela não apenas a extensão da permissão divina para a prova, mas também a inviolabilidade de certos laços estabelecidos por Deus. A persistência da esposa de Jó, mesmo em sua angústia e conselho aparentemente desesperançoso (“Amaldiçoa a Deus e morre!”), passa a ser vista não apenas como um desafio à fé de Jó, mas como um testemunho, ainda que distorcido pelo sofrimento, da indissolubilidade daquela união.
Além disso, a permanência da esposa pode ser interpretada como um elemento crucial para a restauração de Jó. No final do livro, quando Deus restitui a Jó o dobro de tudo o que ele havia perdido, a presença de sua esposa permite que ele reconstrua sua família e seu legado. Sem ela, a plenitude da bênção divina na forma de novos filhos e prosperidade teria um significado diferente.
A esposa de Jó, portanto, apesar de suas falhas humanas, se torna um veículo da continuidade e da esperança, fundamental para o testemunho da soberania e bondade de Deus.
O livro de Jó, em sua complexidade e profundidade, nos convida a ir além das primeiras impressões e a buscar os significados ocultos nas entrelinhas. Cada detalhe, cada permissão e cada restrição divina carregam consigo ensinamentos que moldam nossa compreensão da fé, do sofrimento e da natureza de Deus. É um convite constante à reflexão, à oração e ao discernimento para desvendar as verdades contidas na Palavra.
A Bíblia, de fato, é um livro cujo estudo é complexo, e é preciso refletir e sempre pedir discernimento a Deus antes de iniciar sua leitura ou estudo, pois nela estão contidos diversos ensinamentos nas entrelinhas.
Termino sempre com uma frase, e hoje encerrarei com o principal versículo do livro de Jó: 1:20-22.
“Então Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a sua cabeça e, lançando-se em terra, adorou; e disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor! Em tudo isso Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma.”
Júnior Belchior.