O QUE FOI O AI 5 — No início da noite do dia treze de dezembro de 1968, concluída a reunião do Conselho de Segurança Nacional, começaram os preparativos para o anúncio daquele que viria a ser o mais duro golpe do regime militar, o Ato Institucional número 5. Caberia ao Ministro da Justiça, Gama e Silva, até por ter sido o seu principal idealizador e, segundo os historiadores, seu redator, a responsabilidade de fazer a comunicação das medidas ao povo brasileiro. Como a reunião do CSN era uma encenação, sabendo, portanto, que a decisão estava tomada mesmo antes do seu início, as providências para a solenidade do anúncio já estavam sedo adotadas durante a sua realização.
Alberto Cúri, locutor oficial da Voz do Brasil, às dezessete horas, recebia em sua residência, no bairro Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, a visita de emissário do presidente da república que o convocava a comparecer imediatamente ao Palácio das Laranjeiras. Quando chegou ao palácio a reunião ainda estava sendo realizada. Jantou e aguardou que fosse chamado. Eram 21h45m quando foi encaminhado ao andar superior para um encontro com o presidente. Era a primeira vez que se encontrava pessoalmente com Costa e Silva. Após os cumprimentos formais, recebeu um documento datilografado em dezoito laudas, com tipologia maior do que o normal, contendo os termos da comunicação que leria naquela noite, numa edição extraordinária da Voz do Brasil. “Gostaria de lê-lo antes, Senhor Presidente, para me preparar”, solicitou. Costa e Silva respondeu: “Não senhor. Não temos tempo. As câmeras de tv e os microfones das rádios já estão a postos, vamos entrar ao vivo em rede nacional”.
No salão nobre do Palácio das Laranjeiras o cenário estava preparado. Sentando-se ao lado do ministro da Justiça, Alberto Cúri se posicionou para fazer a leitura do documento que oficializaria a ditadura no Brasil. Exatamente às vinte e duas horas o ministro fez a sua saudação os ouvintes e telespectadores, e afirmou: “É necessidade imperiosa na defesa dos interesses superiores da Nação e do povo brasileiro, adotar as medidas que nesta oportunidade daremos a conhecer, na verdade, de caráter excepcional, mas que têm por finalidade cumprir o dever a que nos impusemos como elementos da Revolução de 31 de março de 1964”. Falou por cinco minutos e passou a palavra a Alberto Cúri, que iniciou, então, a ler o texto do AI 5, na íntegra, e do Ato Complementar número 48.
Naquele instante o Brasil era impactado pela informação de que a partir de então estariam concentrados nas mãos do governo, poderes absolutos por tempo indeterminado. O Congresso e todos os níveis de parlamento seriam fechados, os mandatos de senadores, deputados federais e vereadores entrariam em recesso. Estava autorizada a intervenção nos Estados e nos Municípios. Passaria a ser legal legislar por decretos-leis. Permitir-se-ia ao presidente da república decretar estão sítio e prorroga-lo se jugasse necessário. Não mais seriam permitidas reuniões de cunho político. A imprensa, o teatro, o cinema e a música, estariam submetidos a rigoroso sistema de censura prévia. Estava suspenso o habeas corpus para crimes políticos. O regime militar tirava a máscara e assumia a postura ditatorial. Iniciava-se a mais negra página de nossa história.
Alberto Cúri em entrevista concedida à revista Época, um mês antes de morrer, aos setenta e dois anos de idade, relatou seu sentimento naquele momento histórico em que era protagonista por obrigação de ofício: “Enquanto eu lia, tomava conhecimento das medidas. No início quando estava nos “considerando”, achei normal, sereno. Quando comecei a ler o ato, propriamente dito, com os “decido”, é que me dei conta do que anunciava. Mas não podia gaguejar. Ali eu era apenas a voz, com um salário mensal de trezentos cruzeiros novos. O dono da voz era o presidente da república”. Às 22h30m estava encerrada a comunicação. A escuridão dessa noite durou praticamente dez anos. O AI 5 produziria seus males no povo brasileiro até 1978, quando o presidente Ernesto Geisel decidiu pela sua revogação.
O Brasil amanhecia o dia quatorze de dezembro mergulhado nas trevas da ditadura militar. Marco zero de nossa história, onde por dez anos, 1.577 cidadãos foram punidos de alguma forma, 454 políticos tiveram seus direitos suspensos ou mandatos cassados, incluindo três ministros do STF, 548 funcionários públicos foram aposentados compulsoriamente, 334 demitidos, 241 militares reformados, mais de 500 filmes b e telenovelas proibidos, 450 peças teatrais, 200 livros e 500 letras de músicas censurados.
As emissoras de tv, as rádios e redações dos principais veículos de comunicação do país foram ocupados por sensores. Mesmo assim, o Jornal do Brasil e o Estado de São Paulo encontraram formas de ludibriar a censura. O JB na sua seção de meteorologia colocou: “Temo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Max. 38 graus em Brasília. 5 graus nas Laranjeiras”. O cartunista Mauricio de Sousa, o “pai da Mônica”, nas suas tirinhas publicadas na Folhinha, colocava naquele dia, quadrinhos em que Cascão ao entrar na tenda de um adivinho e pedir para ser seu futuro, ouve como resposta de que não vai ter adivinhação, pois uma nuvem preta apareceu na bola cristal. Eram formas subliminares de protestar contra o AI 5.
E ainda há quem queira de volta essa página sombria de nossa História. Das duas uma: ou desconhece a História, ou prefere ficar no obscurantismo que prejudica ele próprio. Síndrome de Estocolmo coletivo. A paixão pelos algozes. Vamos em frente.