Estávamos em plena vigência da ditadura militar quando em 1974 foi lançada a primeira edição do “Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas”, de autoria do dramaturgo Augusto Boal, considerada sua obra-prima, livro traduzido em mais de 20 idiomas, inaugurando um método teatral utilizando técnicas voltadas para a democratização da dramaturgia, trabalhando a transformação da realidade por meio do diálogo. O uso de jogos e exercícios teatrais estimulava a discussão de temas políticos, sociais e econômicos, envolvendo os artistas presentes no palco e plateia.
Percebe-se a influência que recebeu do educador Paulo Freire, através do livro “Pedagogia do Oprimido”, publicado pela primeira vez no ano de 1972 em Portugal. Sua proposta era direcionada para promover ruptura das fronteiras entre a arte cênica e a política, o ator e o espectador, formando sujeitos promotores de ativismo político de luta pela cidadania e direitos fundamentais. Criando, inclusive, a expressão que une as duas palavras: espect-atores. A data de 16 de março, quando se festeja seu aniversário de nascimento, é comemorada, desde 2017 como, o “Dia do Teatro do Oprimido”, em sua homenagem.
Empregava uma metodologia que buscava fazer com que o oprimido alcançasse a liberdade de ação, exercendo um protagonismo de voz ativa. Estimulava o debate sobre os diversos problemas enfrentados no cotidiano, despertando reflexões sobre as atitudes a serem tomadas. O “Teatro do Oprimido” tinha como princípio básico livrar os indivíduos de tarefas consideradas alienadas do ponto de vista político, num processo de evolução mental e de criatividade.
O público é convidado a interagir diretamente, com participação nos ensaios e treinamentos prévios à apresentação, promovendo a inversão de posições sociais entre atores e não-atores. Constitui-se um importante processo pedagógico nas oficinas de teatro. Seleciona as questões sociais que favorecem as situações de opressão, levantando debates que possam orientar ações transformadoras na ocorrência de práticas resultantes dos regimes autoritários.
O trabalho de Augusto Boal é reconhecido no mundo inteiro e existem diversos centros espalhados em todos os continentes que se dedicam a investigar a técnica. A dramaturga e diretora de teatro Bárbara Santos, ao analisar a metodologia revolucionária do “Teatro do Oprimido”, enfatiza o seu caráter político e libertário, afirmando: “A arte sempre é política. Mesmo o teatro, que diz que é ‘neutro’, que só faz o entretenimento, tem um objetivo por trás: de só fazer entretenimento para você não pensar muito, ou para você pensar de uma determinada forma. Então, não tem neutralidade”
Augusto Boal chegou a ser preso e torturado em 1971, optando pelo exílio quando libertado. O “Teatro do Oprimido” circulou por mais de 70 países, fazendo com que o seu criador fosse nomeado “Embaixador do Teatro”, pela Unesco. Um ano após a sua morte foi fundado o Instituto Augusto Boal, com o objetivo de divulgar e preservar as obras e a memória do dramaturgo carioca. Já o Centro do Teatro do Oprimido surgiu em 1986, enquanto Boal ainda estava vivo. Ele realiza laboratórios e seminários voltados para a estética do Teatro do Oprimido, com espetáculos cênicos e projetos socioculturais.
O “Teatro do Oprimido” é uma metodologia essencial para despertar em seus seguidores o sonho de um futuro melhor, pela capacidade que possui em instigar uma imaginação mais crítica da realidade. Para melhor compreensão do que pensava Augusto Boal, transcrevo o que idealizava ele quando criou essa metodologia que permitiu o encontro da política e da arte. ““Aquele que transforma as palavras em versos transforma-se em poeta; aquele que transforma o barro em estátua transforma-se em escultor; ao transformar as relações sociais e humanas apresentadas em uma cena de teatro, transforma-se em cidadão”
Rui Leitão